domingo, 30 de outubro de 2011

ENTREVISTAS

AMOR À ARTE

Janne Ruth, 30 anos de dança



Saiba mais sobre essa cearense lutadora que assumiu a solidariedade e a dança como sentido da vida

Por Felipe Muniz Palhano
Editor de Cultura do Jornal O Estado e organizador do blog Divirta-CE (www.divirta-ce.blogspot.com)

Por que o mundo dança? Para se comunicar, comemorar, homenagear, seduzir... tão antiga como a própria existência, essa forma de se expressar revela um dos lados mais poéticos da evolução do homem. Em Fortaleza, aconteceu o maior encontro de profissionais da dança contemporânea e do balé clássico: trata-se do Fendafor, Festival Internacional de Dança de Fortaleza, criado pela bailarina e diretora Janne Ruth, uma batalhadora da cultura, que faz um trabalho de inclusão social há anos, tirando crianças da marginalidade e da falta de perspectiva e dando oportunidade de conhecerem um novo futuro. Tudo por amor a arte, sem usar isso com demagogia, pra se auto-promover, nem impulsionar sua Academia de Dança Janne Ruth, que em 2011 completa 30 anos, colecionando prêmios pelo mundo afora com seu talento e criatividade para retratar atravé sda dança a realidade da vida. O Fendafor também esteve no Cariri (Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha), de 5 a 9 de julho. o Fendafor 2011 continua sua jornada pelo interior cearense, com Maracanaú (25 e 26 de junho), Sobral (15 a 17 de setembro), além de Guaramiranga e Cascavel, sendo considerado um dos maiores festivais intinerantes do Ceará. Confira um pouco da vida dessa cearense lutadora que assumiu a solidariedade e a dança como sentido da vida.

[DIVIRTA-CE] Você é baiana e hoje coordena o maior Festival Internacional de Dança de Fortaleza. Como e quando surgiu seu interesse pela dança e como você veio para o Ceará?
[JANNE RUTH] Sou baiana de Vitória da Conquista, minha mãe baiana e meu pai cearense. Quando eu tinha quatro anos alguns professores recomendaram que minha mãe me colocasse no balé por causa dos meus “pés de pato”, e era o sonho dela ter uma bailarina na família - minha mãe sempre sonhou dançar mas a geração dela, muito rígida, nunca deixou. Com seis anos a família foi atrás de tranquilidade em Quixadá, se mudando para o Ceará, em busca de uma vida mais saudável para minha mãe. Meu pai era engenheiro agrônomo, cuidou da fazenda de Rachel de Queiroz - mas não dancei em Quixadá nos cinco anos que morei lá, pois nâo existiam academias naquela época. Quando fui para Fortaleza em 1971 que retornei minhas aulas de balé clássico com Hugo Bianchi, o mestre com quem me formei, em 1979, com 16 anos.

[DIVIRTA-CE] Como era o universo da dança em Fortaleza naquela época?
[J. R.] Era muito caro fazer cursos de dança. Aqui em Fortaleza só existia a Escola de Hugo Bianchi e do Sesc. Conheci a Dora Andrade (diretora da Edisca) em 1974, quando tive meu primeiro contato com a dança moderna. Mas eu queria mais: já em 1976, quando eu ainda era menor, juntava o ano inteiro o dinheiro da minha merenda para fazer cursos no Rio de Janeiro. Foi lá que me disseram para eu fazer teatro, onde eu conheci Dercy Gonçalves, a Beth Goulart, que fazia dança moderna. Naquela época não falávamos dança contemporânea - era dança moderna. Minha maior dificuldade para realizar esses sonhos na dança era meu pai, pois minha mãe morreu em 1973, quando eu ainda tinha onze anos, e ela que me apoiava com a dança. Com meu pai, tive que estudar dobrado para poder viajar e fazer cursos. Se eu tirasse nota baixa ele culpava a dança. Em 1982 eu estava no quarto de semestre de Geologia, quando passei no concurso de uma bolsa para estudar dança na França - eram 150 pessoas para cinco vagas e eu consegui a minha, tirei segundo lugar. Depois ganhei outra bolsa para ir aos Estados Unidos estudar balé. No final, nunca terminei Geologia porque a dança não deixou. Não sei da onde vem essa paixão doentia, só sei que desde jovem, com meus 13 anos, a dança já era a coisa mais importante da minha vida.

[DIVIRTA-CE] Você além da dança, teve uma carreira na natação...
[J. R.] Foi uma campeã da época do meu colégio, a Érica Lopes, que estudava comigo, e me levou para o Náutico. Nadando borboleta eu fui campeã cearense, norte-nordeste, brasileira. O apoio da natação era grande, nos buscavam em casa, e meu pai não se incomodava muito. Participei até da Travessia do Rio Negro, no Amazonas, fiquei em 18° lugar entre 180 competidoras. Teve uma hora que meu pai me chamou e disse que já não podia mais comigo, que meu negócio era esporte e arte mesmo, e ele queria que eu decidisse, até para me apoiar. Eu escolhi a dança.

[DIVIRTA-CE] Você está completando 30 anos de carreira na dança. Fale um pouco do começo de sua carreira e do seu trabalho social.
[J. R.] Com 18 anos, em 1981, eu abri minha primeira escola de dança. Em 2011 completo 30 anos de dança. Antes, de 1979 para 80 eu e a Dora Andrade abrimos um curso em Sobral. Conhecemos uma comunidade muito pobre em Sobral, e todo esse trabalho, esse sentimento social, tanto meu, quanto dela, começou lá. Apresentávamos espetáculos para esses meninos de Sobral, dávamos roupas, cursos - fazíamos tudo guiados pela Dona Gislene, mãe da Dora. Quando eu abri minha academia, era aquele velho sonho - um casarão na Aldeota, as alunas eram todas filhas de gente rica, eu usava o dinheiro todo dos alunos para pagar os custos, aluguel. Passei três anos com essa academia na Aldeota, e no quarto e último ano fiz um mestrado em dança na Bahia. Aquela academia cheia de gente com dinheiro não era pra mim - foi quando eu fiz uma loucura: estava grávida da minha primeira filha, Kaira, e avisei ao meu primeiro marido que iria pegar o dinheiro da entrada do meu apartamento e fazer uma sala de dança nos fundos da casa do meu pai, na Bela Vista. Na época, 1985, disse a todos que o pessoal da Aldeota não precisava de mim. Minha filha nasceu em maio, em agosto eu estava inaugurando o Studio de Dança Janne Ruth na Bela Vista. Cobrava dez cruzeiros para cada criança, mas a maioria tinham bolsa gratuita. Realizei muitos sonhos de mães que queriam ver a filha bailarina.

[DIVIRTA-CE] Como você conseguia sustentar sua companhia de dança? E a transformação das suas ações no bairro da Bela Vista?
[J. R.] Nessa época contei com a ajuda grande do meu pai. Ganhava dinheiro fazendo coreografias para Goreth Quintela, para Hugo Bianchi e tinha algumas alunas que pagavam mensalidade. Em 1981 a Dora inaugurou a Edisca e comecei a pesquisar sobre organizações não governamentais. Eu já fazia esses trabalhos sociais, distribuía sopão, mas não tinha idéia da dimensão desse meu trabalho. Nos anos 90 eu vi na TV uma matéria sobre os Atletas de Cristo, eu já estava com a Cia. Janne Ruth viajando pelo Brasil, ganhando prêmios, e veio na minha cabeça a ideia de abrir o palco para esses alunos mais carentes, com a criação dos Bailarinos de Cristo, em 94. Nessa época, todos os trabalhos, as entradas dos nossos espetáculos, eram em troca de quilos de alimentos. Em 1998, com a ajuda de amigos advogados, fundamos a ONG Bailarinos de Cristo, BCAD. Colocávamos temas sociais nos espetáculos do BCAD, como “Vida - Nós Existimos”, que contava um pouco da história desses meninos pedintes nas ruas de Fortaleza, sem perspectiva. Tive um trabalho voluntário levando alimentos a favelas da Rosalinda, Couto Fernandes e outros lugares perigosos, junto com a Legião da Boa Vontade e aprendi muitas lições de vida convivendo com essas pessoas carentes, tentando levar um pouco de esperança a essas crianças.

[DIVIRTA-CE] Junto com esse trabalho social com o BCAD, sua Cia. de Dança Janne Ruth ganhava prêmios internacionais e viajava o mundo. Como você se dividia entre esses dois trabalhos?
[J. R.] O que me fortalecia para realizar esse trabalho social com a ONG Bailarinos de Cristo era ver minha companhia de dança fortalecida. Os alunos do BCAD que se destacavam poderiam ingressar na Cia. Janne Ruth. Mas minha companhia era muito boicotada devido a esse trabalho social. Um bailarino de fora, que gostava do meu trabalho, disse para eu Espanha. Eu ganhava diversos prêmios em Mar Del Plata, Buenos Aires, fora do Brasil e já estreava aqui meus espetáculos com ótimas críticas de jornais do Rio e São Paulo - mesmo assim continuava a ser boicotada. Até quando eu participei do Passo de Arte, quando participei com 11 coreografias, tirei nove “primeiros lugares”, ganhei prêmios de melhor bailarina, melhor grupo e melhor performance. Lá em Sâo Paulo, com uma comissão rígida do Passo de Arte, e competindo com 800 grupos do país inteiro, a Cia. Janne Ruth foi o único grupo que ganhou cinco notas “dez”. Em 2008 ganhamos dezessete prêmios. A Janne Ruth é a companhia que mais ganhou prêmios nesse conceituado concurso. Ano passado fomos convidados por uma universidade da Suíça que estava pesquisando sobre os costumes nordestinos do Brasil para fazermos uma temporada na Europa. Passamos por St. Gallen, Zurich, e outras cidades da Suíça, além de passar por um Grande Prêmio de Dança de Barcelona.

[DIVIRTA-CE] Como surgiu o Fendafor, que estreou como Festival Nacional de Dança de Fortaleza e, devido a qualidade das atrações, se transformou em Festival Internacional?
[J. R.] Em 1985 foi fundada a Associação das Academias de Dança do Ceará - eu estava lá. Em 1987 surgiu o GP Dance, Grande Prêmio de Dança. Dora Andrade, Anália Timbó, eu e outros diretores de companhia da época fundamos o Fórum de Dança do Ceará em 1988. Na época, a Funarte, que se chamava Fundacem, nos apoiava, mandando pessoas para fazerem oficinas. Depois apoiou o Encontro Norte e Nordeste de Dança. Em 1996 fomos convidados para o 1° Festival Nacional de Dança de Recife e lá, com aquela diversidade de gurpos de diversos estados, eu peguei o microfone e convidei a todos para participarem do Festival Nacional de Dança de Fortaleza. Em 1997, surgiu a Bienal de Dança do Ceará, e nosso projeto já estava na Secretaria de Cultural. Só em 1999 o projeto foi aprovado pela Lei Jereissati, e em 2000 foi produzida a primeira edição do Fendafor. Grupos e bailarinos de estados de todo o Brasil já passaram pelo Fendafor, Ana Botafogo, Deborah Colker, artistas de Roraima, Goiânia, gente do Oiapoque ao Chuí. Em 2010 o Fendafor virou Festival Internacional, com artistas de outros países, mas desde 2007 o evento recebe atrações de fora do Brasil.

[DIVIRTA-CE] Dentro dos outros segmentos, como você analisa hoje o valor da dança na cultura do Ceará?
[J. R.] A força de nossa dança é bem maior que em outros estados do nordeste como a Bahia e Pernambuco. Hoje temos dois fóruns de dança, cinco associações, a ProDança, o Festival Litoral Oeste, a Bienal, que vai para Sobral e Juazeiro, o Fendafor, que desde 2007 visita diversos municípios e esse ano vai a sete cidades, Quixadá, Pacoti, Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Guaramiranga, Sobral. Esse ano também temos Senador Pompeu, e em breve dois municípios entram na programação- o Fendafor terá uma agenda anual, pois muitos secretários de cultura nos procuram, querendo trazer o festival para a sua cidade. Estou um pouco triste com nosso governador Cid Gomes, que aprovou nosso orçamento com mesmo valor do ano retrasado mas ainda não liberou a verba do Festival - são 78 grupos inscritos, mas de três mil bailarinos. É meio complicado sempre termos que esperar pela liberação do dinheiro que já foi aprovado, só meses depois da realização do evento. Isso não é só o Fendafor - poderiam melhorar o sistema de financiamento do pouco incentivo a cultura que recebemos. Só temos uma empresa no Ceará que patrocina grandes projetos culturais, que é a Coelce, a Companhia de Energia Elétrica.

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